sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Bebedeira



BEBEDEIRA

as garrafas fam fileiras,
argalhantes, companheiras,
nas estantes dessa zona:
garrafinhas, garrafonas,
verdes, brancas,
grossas, fracas,
o olho chiscam sob as luzes
ao consumo me induzem,
                grolos tolos,
                sem controlo
a que beba o conteúdo
seja grande ou miúdo
o licor beber com jeito
             tecer com teito
              lezer com leito
            peper com peito
                           pauta
                           pouta

tou a ver que nessa esquina
umha humana feminina
ri com dentes de cavalo,
olha alguém para tentá-lo,
move o queixo,
lança um beijo,
com desleixo:
e eu nom deixo
de ver branco sobre as meias,
pernas pálidas, sem veias.
eu adoro-te, querida,
porque te amo sem medida,
quero, dama,
ir prà cama,
e aquecer-nos
e esquecer-nos
esquecer-nos das tristezas
ergueder-no dar distezas
Engadir-no dar bareza
                             borreza
                        eu nex-xito
                             nex-xito

bodes der-me dar-dixer-me
onde anda onde meter-me
na ca
         na cax-de
                        cax-de
                                   de
graxas gradas obi gado
                              graças
'scupa nomtou bebdo
'scupa
           'scupa
                      'aças
                               'aças

                                pausa
                               náusea


William Auld (1924-2006), poeta escocês em esperanto


(notas para lusófonas/os nom galegas/os: argalhante: que argalha, tramador, conspirador. Chiscar o olho: piscar o olho. Grolo: gole, trago. Tolo: louco. Lezer: lazer. Pouta: garra. Engadir: juntar, acrescentar. Graças: obrigado)


O poema de Auld cantado polo Coro e Orquestra da Ópera e Filarmonia da Podláquia, Polónia


 

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Quarteto de rás



QUARTETO DE RÁS 

Dedicado aos que
se queixam e nom fam nada
 

Sob as telhas umha tina
na chuvada matutina
nom se enche, pois da esquina
as pingotas nom atinam,
como a água nom escoa
coa sede as rás croam:

Coá-coá coá-coá coá coá
quam aquático é o quadro
coá coá coá
quanto chove aí no adro
coá coá coá
quatro equánimes batráquios
em quarteto no seu pátio
consequentes, água à sina
pedem para a sua tina
coá coá coá!!!!!

Coá-coá coá-coá coá coá
neste esquálido aquário
coá coá coá
com compasso quaternário
coá coá coá
cantam quatro rás loquazes,
contra a quarentena fazem
antiquadas sonatinas:
Deus da Água, enche a tina
coá coá coá!!!!!

Isto prova que se chove
e o telhado o balde cobre,
só croando nada mudam
as razinhas se nom pulam.
Nom croedes como as relas,
companheiros, companheiras!


Julio Baghy (1891-1967), poeta húngaro em esperanto


(notas para lusófonas/os nom galegas/os:croar: coaxar. Pingota: pinga, gota)

 O poema de Baghy cantado polo grupo neerlandês Kajto


Ser besta umha hora!


SER BESTA UMHA HORA!

Deixa,
vai, deixa-me em paz!
Estás a ver:
hoje
eu tirei
e rachei
o branco e rejo colar da Decência
e a gravata da Moral
colguei-na no muro do Olvido.
Deixa!
Ao cabo
tam só som um home
e
queria no entanto
ser besta umha hora
e lamber sangue!


Nikolai Kurzens (1910-1959), escritor letom em esperanto


(nota para lusófonas/os nom galegas/os: rejo: rijo)

A revoluçom



A REVOLUÇOM

[A revoluçom nom será televisada.
Gil Scott-Heron]


acontecerá de improviso

as pirámides de aceiro cairám

alguns voltarám a talhar um arado de pedra
ou talvez apenas umha arma de pedra

a gente mencionará as muitas mortes, os muitos danos
mais ninguém lhe chamará revoluçom

ninguém a traerá como um facho

sem pioneiros
chegará umha manhá

o grande fim


Jorge Camacho (1966-), poeta espanhol em esperanto e em espanhol


(nota para lusófonas/os nom galegas/os: traer: trazer)



Bolboretas




BOLBORETAS 

            Sou uma borboleta...
                      MIHALSKIJ

Lim que é a alma
algo que nom morre;
desde entom, é estranho,
sinto-me mais forte.

E o mesmo sentem
essas bolboretas
revoando alegres
entre as violetas.

Si, o home sabe
que a vida sucede
para as bolboretas
dum jeito mui breve,

e no entanto trata
de vaidades vagas,
como, por exemplo,
das esperantadas.

Aleksandr Logvin (1903-1980), poeta ucraniano em esperanto

(Nota para lusófonas/os nom galegas/os: lim: li)

 


A morte da monarquia 1918



A MORTE DA MONARQUIA 1918

Careta de arlequim sob ligaduras

ri-se do munhom da perna
pándega de monstros

após o furacám mundial

Rechia do rengente realejo

do pobre mutilado
um hurra em estertores
pra as hordas dos seus iguais.

Milhentas de muletas ultrapassam

a estátua do Monarca a cavalo
um cam vadio, obsceno,
alça a pata no pedestal.


Oldřích Kníchal (1939-), poeta eslovaco em esperanto


(Notas de vocabulário: ligaduras=vendas; pándega=troula, esmorga, festa; realejo=órgao portátil com manivela; vadio=vagabundo).



 

Queiroa



QUEIROA

Florece a queiroa, florece a queiroa!
O arroubo do aroma, abelhas na flor.
Numha paz sublime o seu voo soa
com leves carícias do outonal calor.

No meio, deitada, abalo submersa
no mar de ondas roxas do meu queiroal.
O recendo todo o campo dispersa
pra mim, estendida entre flores no val.

Mais volta a lembrança e umha dor arrasta
que me rasga a gorja cum lamento ruim:
se pudesse aquel que a distáncia afasta
aqui nas queiroas jazer junto a mim!


Hilda Dresen (1896-1981), poeta estoniana em esperanto

(notas para lusófonas/os nom galegas/os: queiroa: queiró, urze, planta da família das Ericáceas. Lene: doce, leve, suave. Alouminho: carícia)